Um novo texto de muito bom humor, escrito por notável contista norte-americano é o assunto que escolhi esta semana para amenizar os problemas diários que temos de enfrentar. A sutileza do autor nos faz lembrar dos primeiros médicos, meio alquimistas, meio curiosos e meio charlatães. Bom proveito!
“Na estante central havia
um busto de Hipócrates em bronze, com o qual, segundo algumas autoridades, o
dr. Heidegger costumava manter consultas para todos os casos difíceis de sua
profissão. No canto mais escuro da sala havia um armário alto e estreito,de
carvalho, de porta escancarada, no interior do qual se percebia indistintamente
um esqueleto. Entre duas estantes um espelho se dependurava da parede com a sua
comprida e poeirenta superfície emoldurada num caixilho dourado enegrecido.
Entre as muitas histórias maravilhosas contadas sobre esse espelho, dizia-se
que as almas de todos os falecidos clientes do doutor habitavam entre suas bordas
e o fitavam cara a cara, quando quer que ele olhasse para aquele lado.
O lado oposto da sala se
enfeitava com o retrato de corpo inteiro de uma linda mulher, vestida com uma desbotada
magnificência de cetim, seda e brocado, e dona de um rosto tão descorado como o
vestido. Havia mais de cinqüenta anos, o Dr. Heiddeger estivera a ponto de se
casar com aquela senhora. Todavia, sendo ela acometida por uma ligeira
perturbação, engolira uma das receitas do seu amado e morrera na noite do
noivado. Resta ainda a mencionar a maior curiosidade do estúdio: um pesado in-fólio
encadernado em couro preto, com fechos de prata maciça. Não havia inscrição na
lombada, e ninguém podia dizer o título do livro. Sabia-se, entretanto, que se
tratava de um livro de mágica: e, certa vez, ao levantá-lo uma criada, só para
espanar-lhe o pó, o esqueleto chocalhara os ossos dentro do armário, o retrato
da mulher pusera um pé do assoalho, e, do fundo do espelho, numerosos rostos fantasmagóricos
espiavam para fora; ao mesmo tempo, a brônzea carantonha de Hipócrates fez uma carranca
e comandou: - Pare com isso!”
(NATHANIEL HAWTHORNE – “O EXPERIMENTO DO DR.
HEIDEGGER”)