segunda-feira, 26 de agosto de 2013

ROMEU E JULIETA SEGUNDO LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

Selecionei um texto de bom humor de Luís Fernando Veríssimo onde ele reescreve o final da peça de Shakespeare no seu inigualável estilo.Bom proveito.



Luís Fernando Veríssimo
Shakespeare
Da série "Finais alternativos". "Romeu e Julieta". Ato V, Cena IV. Encontro do velho Montéquio, pai de Romeu, com o velho Capuleto, pai de Julieta.

"Montéquio: Meu filho, por mais que eu despiste
Em casar com sua filha insiste.
Ó céus, no que dará a união
Do filho de um nobre com a filha de um cão?
E, com todas as minhas mágoas, ainda por cima
Esta obrigação de falar com rima!

Capuleto: Esta dor até um cão mata
Ver sua filha casar com um vira-lata.
Pior do que isto, ah meus dias,
Serão as reuniões das nossas famílias,
Eu e você, sendo gringos,
Comendo a mesma massa, aos domingos!

Montéquio: Porca miséria (me perdoe o bardo)
Mas resignemo-nos ao nosso fardo.
Se não se casam, se juntam, e vão viver de artesanato
Só há um jeito, façamos um pacto.

Capuleto: Rendo-me aos fatos, galhardo
Melhor um genro cachorro do que um neto bastardo.

Montéquio: Dito o que, só nos resta um mote.

Capuleto: Qual?

Montéquio: O dote.

E Romeu e Julieta não morrem, mas vivem felizes até a separação.


terça-feira, 13 de agosto de 2013

O EXPERIMENTO DO DR. HEIDEGGER

Um novo texto de muito bom humor, escrito por notável contista norte-americano é o assunto que escolhi esta semana para amenizar os problemas diários que temos de enfrentar. A sutileza do autor nos faz lembrar dos primeiros médicos, meio alquimistas, meio curiosos e meio charlatães. Bom proveito!

“Na estante central havia um busto de Hipócrates em bronze, com o qual, segundo algumas autoridades, o dr. Heidegger costumava manter consultas para todos os casos difíceis de sua profissão. No canto mais escuro da sala havia um armário alto e estreito,de carvalho, de porta escancarada, no interior do qual se percebia indistintamente um esqueleto. Entre duas estantes um espelho se dependurava da parede com a sua comprida e poeirenta superfície emoldurada num caixilho dourado enegrecido. Entre as muitas histórias maravilhosas contadas sobre esse espelho, dizia-se que as almas de todos os falecidos clientes do doutor habitavam entre suas bordas e o fitavam cara a cara, quando quer que ele olhasse para aquele lado.
O lado oposto da sala se enfeitava com o retrato de corpo inteiro de uma linda mulher, vestida com uma desbotada magnificência de cetim, seda e brocado, e dona de um rosto tão descorado como o vestido. Havia mais de cinqüenta anos, o Dr. Heiddeger estivera a ponto de se casar com aquela senhora. Todavia, sendo ela acometida por uma ligeira perturbação, engolira uma das receitas do seu amado e morrera na noite do noivado. Resta ainda a mencionar a maior curiosidade do estúdio: um pesado in-fólio encadernado em couro preto, com fechos de prata maciça. Não havia inscrição na lombada, e ninguém podia dizer o título do livro. Sabia-se, entretanto, que se tratava de um livro de mágica: e, certa vez, ao levantá-lo uma criada, só para espanar-lhe o pó, o esqueleto chocalhara os ossos dentro do armário, o retrato da mulher pusera um pé do assoalho, e, do fundo do espelho, numerosos rostos fantasmagóricos espiavam para fora; ao mesmo tempo, a brônzea carantonha de Hipócrates fez uma carranca e comandou: - Pare com isso!”

 (NATHANIEL HAWTHORNE – “O EXPERIMENTO DO DR. HEIDEGGER”)